Ontem passei o dia das mães longe do
meu filho. E da minha mãe. Fui pra uma cachoeira e fiquei meio que offline para essa
data. Apenas uma data (criada pelo capitalismo para o consumismo e insira
aqui esse clichê esquerdóide, porém verdadeiro), mas uma data que é
impossível não ficar mexida com ela. Afinal, mãe é mãe. Dizem.
Quero falar disso.
Quando voltei, à noitinha, vi as
redes sociais inundadas de fotos lindas e carinhosas, declarações e relatos
sobre mães, maternidade, experiências, os clichês de sempre, tal, e aí quis
escrever sobre isso.
Sobre ser mãe, sobre ser filha, sobre
esse dia.
A primeira coisa que me assustou foi
a reação das pessoas quando eu falei que não ia passar o domingo com meu filho.
Nem com a minha mãe. Parece que tinha ofendido gravemente os valores da família
tradicional brasileira. Bom, ontem especificamente, Miguel estava no final de
semana com o pai, a madrinha dele viria de outra cidade pra vê-lo, eu já havia
programado esse passeio roots e não vi necessidade de ir buscá-lo só
para reforçar uma data que homenageia a mãe e como no caso a mãe sou eu e eu
não me importo, achei super ok. Ele tem 5 anos, certamente não tinha comprado
presente, não tinha reservado restaurante, não ia sentir falta de passar esse
dia comigo, simplesmente "porque é dia das mães" (é o que espero
ao menos, só falta virar emo depois por causa disso).
- Pausa - Nessa semana as tarefas da
escola foram todas nesse tema e a gente já tinha curtido um tanto. Teve uma que
eram perguntas sobre a mãe. "Qual a comida preferida da sua?" ele respondeu
"Leite com nescau".
Cara, isso encheu meu coração de
ternura. Só quem me conhece muito bem responderia com exatidão que não vivo sem
meu leitinho e que esse leitinho com nescau é a melhor comida do mundo pra mim
(sou adulta, sou requintada, sou sim. risos). Meu filho me conhece. – Despausa.
Enfim, não caguei regra, não tô
fazendo isso agora, mas cara, eu tenho a oportunidade de criar meu filho da
maneira que acredito e não acredito muito nessas datas comerciais (Também não
dou ovo de páscoa, presente de Natal, nem nada no dia das Crianças - me
julguem) e a gente leva isso, desde que ele nasceu, com muita tranquilidade,
sem extremismos, quando dá, dá, mas não fazemos dessas datas momentos
importantes pra nós. Não as reafirmo, não repasso pra ele, não dou
importância.
Pra minha mãe eu sempre dou presente
(ó as contradições), simplesmente porque ela adora ser presenteada (é a sua
linguagem de amor) e pra ela é importante. Ok. Mas justamente
recentemente, eu e ela (minha mãe e eu) tivemos umas DR's, umas crises de
identidade, umas brigas, uns papos profundos e a NÃO comemoração esse ano foi
importante (pelo menos pra mim) pra dar um fôlego e espaço pra traçar os rumos
da nossa relação, que está sendo construída.
Construída.
Relação de mãe e filho (a) é uma
relação como todas as outras, gente. E foi isso que falei pra minha mãe, quando
ela falou algo como "mãe é mãe", exigindo uma determinada postura
minha em relação ao Miguel, no sentido de que mãe deveria fazer mais, amar
mais,se doar mais, porque amor de mãe é mais forte. Eu falei: "Mãe, eu amo
meu pai do mesmo tanto que amo a senhora. O tanto que a senhora se dedicou a
mais por mim, o tanto de abdicações, renúncias, e esforço braçal mesmo, não
contou pontos extras para o meu amor".
Foi duro, eu sei. É duro. Mas é a
verdade.
Dia das mães do ano passado. Fui tirar umas fotos bonitinhas pra ostentar na rede. Quem vê acha que somos perfeitos, mas...
Eu amo meu pai. Loucamente. Não foi
ele que me carregou no ventre, nem que acordou de madrugada pra me amamentar,
nem que trocou minhas fraldas, nem nada disso, mas eu o amo. Como amo minha
mãe. Loucamente também.
Como se dá a relação de pai e filho?
Pai se dá conta de que é pai, quando o filho nasce, praticamente. Ao contrário
da mãe, que já sente o bebê nos primeiros meses de gestação. Pai começa em desvantagem.
Pai tem que correr atrás do prejuízo (os que tem interesse, claro) porque nos
dois primeiros anos a criança depende muito da mãe (inclusive pela amamentação)
e ele é um pouco desnecessário, muitas vezes. Pai tem que construir um vinculo,
porque a mãe já tem, nem que seja o de pele, o de umbigo. A da mãe tá
dada, tá no corpo, tá na cara, mas também tem que ser construída e nem é maior
e mais forte por isso.
Sempre fui apaixonada por essa
relação de pai e filhos. (Aliás, até hoje, piro num pai solteiroAPAGAR).
Infelizmente ainda é minoria homem que é pai protagonista, que reivindica esse
papel, que não se acomoda no lugar secundário que a sociedade lhe dá, mas
quando rola, é lindo.
Usei minha própria experiência em relação
ao amor pelos meus pais quando me tornei mãe. Nunca quis sozinha (aliás, até
casei precipitada e erroneamente em busca desse compartilhar), nunca achei que
eu era uma super heroína por ter um útero, nunca vi o pai do meu filho como um
ser inferior a mim, essa coisa de mãe, santa, poderosa, suprema.
Não foram poucas as vezes que pedi
ajuda ao Heitor. Que pedi socorro. Que reconheci habilidades dele em relação ao
Miguel como muito superiores às minhas (trocar fralda, pegar no colo, dar
remédio, sei lá). Que briguei por direitos iguais. Que falei: "toma um
pouco, dou conta não".
A guarda compartilhada, por ocasião
do divórcio, foi sempre decisão/imposição/insistência minha. Fui julgada
muitas e muitas vezes por isso. Até hoje sou, aliás.
Sempre achei que Miguel merecia um
pai. Que Heitor merecia e devia ser pai. Que eu era só a mãe e que não deveria
carregar peso nenhum a mais por conta dessa nomenclatura. E que eu tinha
direitos, de ser eu, Marília, e não só a mãe do Miguel.
Há 5 anos sou mãe. 5 anos dificeis
pra porra. Mas 5 anos de muito aprendizado. Ano passado, tive que tirar Miguel da escola e ele foi morar com o
pai dele (na verdade, com a avó paterna e eu tenho pegado meio que meio a meio). Eu também estava num momento
da minha vida que... não tava dando conta. (Depois eu vou fazer um post sobre
filhos que não moram só com as mães). Procurei ajuda. Fui reconstruir minha
relação com o Miguel. Fui trabalhar minhas coisas na terapia. Foi uma barra.
Mas aprendi uma grande lição nesse período: pedir ajuda é libertador, uma mãe
sem rede de apoio não é ninguém e principalmente: eu preciso acreditar na MINHA
maternidade, confiar no que eu acredito e foda-se o que o mundo espera de uma
mãe.
Não sou a mãe que a sociedade espera.
Nem a que a minha família admira. Nem que é retratada nos comerciais e na
publicidade. Mas eu sou só mais uma mãe e não, mães não são todas iguais.
Deu tudo errado. Briguei. Miguel brigou. Até fiz um post sobre "maternidade real: a vida com ela é" no Facebook no dia
Eu esqueço de levar casacos pro
Miguel, ou seja, nada de: "ta levando o casaquinho?", eu não sei
cozinhar, nem preparo o lanche da escola, eu detesto fazer tarefa escolar e ir
em reuniões de pais, eu viajo sem ele e sem culpa cristã, eu não ligo pra ele
no final de semana que ele tá com o pai, ou seja, eu não falo com ele todo dia,
eu às vezes vou comer uma comida escondido só pra não ter que dividir com ele (quem
nunca? risos), eu não penso nele antes de pensar em mim algumas vezes, eu não esqueço
dos meus outros e múltiplos lados enquanto mulher e ele não é a minha vida. É
parte dela. Uma parte essencial, diria, mas não é meu todo.
Eu não senti um amor incondicional
quando ele nasceu (embora eu já tenho dito isso e que já achei bonito acreditar
que sim), mas o amo cada dia mais, porque estamos construindo isso. Decisão
minha e dele.
E construir relação é dificil gente.
Mesmo com um ser de 5 anos. As vezes briga, as vezes chora, as vezes tem culpa,
DR (sim, sou aloka da DR e sim tenho DR com o Miguel), tem tempo afastado, tem
reconciliação, tem tudo. Pode parecer bizarro, mas trato o Miguel assim desde
que ele era um feijão no meu ventre.
Chorava pacas na gravidez e sofri muito
nos primeiros meses de vida dele (os 2 primeiros anos na real, pior fase da
minha vida) e todo mundo falava: "você é mãe, agradeça por ter um filho
saudável" ou "ele vai achar que você não o ama", colocando meus
sentimentos e crises de mulher, de ser humano em stand by porque bem, eu era
mãe, não tinha o direito de sofrer. O filho em primeiro lugar. Pois eu conversava
com a barriga e dizia: "meu filho,
não é bem contigo, mas minha vida tá uma merda. Te amo, mas tá foda".
Sempre me mostrei humana pra ele. Peço desculpas ao Miguel. Não falo
"porque sim, porque tô mandando". Nunca desenvolvi uma relação
(apenas) de poder e de hierarquia.
Outro dia tava chorando e ele
simplesmente foi ao banheiro, pegou um papel higiênico, limpou minhas lágrimas
e me deu a mão. Não falou nada. Achei lindo.
Sou mãe, mas sou vulnerável, errante,
tenho medos, desejos, frustrações. Mas principalmente: não acho que a
maternidade nos salva de nada. Filho não é pra preencher nossa existência, nem
cumprir nossas expectativas e foi exatamente isso que gerou a tensão com minha
mãe.
Talvez eu não seja a filha que ela
desejou que eu fosse. Mas e a nossa mãe, a gente escolhe? Não. Então, também
não dá pra escolher o que os filhos vão ser. E o negócio é se amar APESAR DE.
Filhos não são a continuação de nossa existência.
Falei pra ela que temos que construir
algo que seja mais forte que um laço sanguineo ou um almoço no segundo domingo
de maio.
Quando crianças, até o começo da
juventude, uns 20 anos, nossas mães e pais, cuidam da gente. Depois, quando
eles estão velhinhos, nós é que cuidamos deles, lá pros 70 anos. Me diz, o que
fazer com uma relação que se baseia na dependência, nessa lacuna de 40,50
anos, em que somos todos adultos e ninguém precisa de ninguém? Almoçar, pedir
benção e serem meros estranhos uns aos outros?
Foi isso que falei que pra minha mãe.
Que passou. As fraldas sujas passaram. As olheiras também. Sou grata, mas não a
congratulo por isso.
Ser mãe não é uma corrida em que há um
pódio no final. Não espere minha reverência. Construa seu espaço na minha
vida, para além do amor.
Uma das coisas mais excitantes na
maternidade é justamente: "não temos controle de nada". É pular de
olhos vendados num abismo. Nunca sabemos onde vai dar, não adianta querer
prever.
Mandei meu presente pra comemoração e
fui curtir meu dia, não porque era das mães, mas porque era meu domingo livre.
Quando cheguei, liguei pro Miguel. Falamos um pouco. Nos despedimos, amanhã vejo ele.
Minha mãe, verei também. Uma
segunda-feira. Um dia comum.
Sabe, não é mal agradecimento, mas
não quero que Miguel me chame, me trate como "minha rainha". Não sou.
Não quero devoção. Abdico do tratamento especial, porque ele traz um peso pra
maternidade, um peso de que quero me livrar, rótulos que luto para desconstruir.
Não quero que Miguel me agradeça por eu ser alguém altruísta, alguém que
renunciou, que se anulou, que deixou de viver por ele. Isso não é amor de mãe e
se amor, não é exclusivo nosso.
Eu quero que o Miguel cresça me
agradecendo por tê-lo deixado livre pra ser quem ele quiser, porque eu não
depositei nele minhas expectativas de vida. Que cresça com uma vinculação
comigo para além das obrigações e reverências, que olhe pra minha vida e veja
nela alguém que foi livre, feliz, que amou, que errou, que nunca teve pretensão
de ser perfeita, nem que o amou mais do qualquer outra pessoa no mundo. Chega
de semi-deuses. Deusas.
Ser mãe não é algo sublime, queridos
publicitários. Ser mãe é algo bom, ou ruim. Depende das circunstancias, depende
de muitos fatores. Maternidade não é uma experiência igual pra todas as mulheres. E é por
isso que defendo a maternidade como escolha e não imposição social (aborto,
tema polêmico. falo um outro dia).
Ano passado postei algo no Facebook
como: “Doce, terna, fazedora de bolos, santa...com todos esses adjetivos dado
às mães, me sinto uma mera chocadeira”. Risos. Mas brincadeiras à parte, não me vejo
nesses modelos retratados no Dia das mães, que convenhamos, que data mais sem
sentido (como todas as outras comerciais, aliás). Na verdade sou mãe porque
transei.
O resto eu tô batalhando pra fazer, me virar, aprender. Desculpa
desapontar o imaginário de vocês, mas mãe é só mãe mesmo. Descreva a sua e eu
descrevo a minha.
E pra finalizar, vi minha mãe sendo
humana de verdade esses dias atrás, quando ela me disse coisas terríveis e pra
machucar mesmo, mágoas de anos, coisas sérias e até me excluiu do Facebook
(novos tempos, minha gente. fiquei ofendidíssima com essa, sério). Na hora da raiva, falou “esquece
que você tem mãe” e aquilo me deixou embasbacada. Pensei e até revidei: “Nunca
vi mãe renegar filho”, mas refletindo depois, vi que putz, minha mãe, a minha,
que é calma, que nunca grita, que releva tudo, toda bobinha e coração mole, um
referencial de amor incondicional, foi só...humana.
Achei libertador. Pra nós
duas. Me senti em pé de igualdade. Suspiros.
Propus algo a ela depois como “mãe, tamo junto,
bora aprofundar as coisas aí, nas nossas diferenças mesmo, nesse tempo que nos
resta” e é o que espero pra nós duas. Passamos o dia ontem separadas, mas mais
ligadas do que nunca. Nunca é tarde pra se descobrir mãe, pra aprender a ser
filha.
Por isso finalmente, meça seus comentários estereotipados,
parça. Não reproduza esses clichês que na prática só oprimem e reforçam um
ideal inatingível pras mulheres, que exclui pessoas do processo de maternagem,
que pesa pros filhos também.
E você que é mãe, liberte-se também. Não é tudo
mérito seu e a culpa não é toda sua.
Outros domingos virão. Comemore com
moderação.
E viva a vida real!