Miguel é uma criança diferente.
Seu primeiro brinquedo favorito na vida foi um microfone.
Sempre, sempre, gostou de música (na barriga quando eu ouvia, ele acalmava ou
“dançava”, mas sempre respondia ao estímulo). Até hoje ele gosta, mas descobriu
meu celular e acha mais divertido cantar se filmando.
Gosta de livros também, mas gosta que a gente leia a
história pra ele, fazendo vozes e interpretando.
Guarda todos os diálogos.
Repete-os. Agora, que já curte filmes, ele finge o tempo todo ser um dos personagens.
Cansei de estar na rua, na fila de um banco, na padaria e o Miguel ficar
falando frases (com a voz diferente) de diálogos de filmes e principalmente
risadas de bruxas (ele tem um fetiche por bruxas que nem Freud explica, há há
há).
Ele prefere as vilãs. Seu personagem preferido sempre foi o
Lobo Mau. Nunca curtiu os três porquinhos. Depois, a segunda e arrebatadora
paixão foi a Malévola. Ele ama, idolatra. É a mulher mais linda do mundo pra
ele, tanto que...ele quer ser ela.
Me vesti de Malévola em uma festa cujo tema era “Vilões”.
Ele pirou. #ComplexoDeEdipoFeelings .
Talvez tenha sido um dos dias mais
felizes da vida dele. Vive pedindo pra
eu me vestir de novo. No dia seguinte, se apoderou das asas e chifres que fiz
para a fantasia.
Ele ama Frozen. Gosta da princesa Anna, mas principalmente da Elsa
(que também é meio vilã né?).
Na verdade, ele ama o mundo da fantasia, essa coisa de
fadas, bruxas, reis e princesas, um universo diferente da realidade. Meu filho
é sonhador, é criativo, é sensível. Na cabecinha dele, a vida é fantasia.
Aliás, ele sempre anda com uns panos amarrados (diz que é um rei),com chapéus e
adereços que fazem ele se sentir aquilo que deseja.
Eu acho isso lindo. Ele definitivamente tem talento pra
arte. Ou pra qualquer coisa que se faça com amor, porque ele também adora
cozinhar.
Os olhinhos dele brilham quando vê um certo canal de
receitas no Youtube (é serio, gente).
Admira quem cozinha, se diverte pedindo pra ajudar (ele sempre faz
pasteis com meu pai, ficando na parte de rechear e fechar a massa com garfo),
adora ver receitas e pede pra eu aprender, descobrir como se faz.
Daí que ele foi crescendo assim, apurando seus gostos nesse
rumo. Miguel não curte carrinhos. Nem bola. Nem esportes. Miguel não curte
super heróis. Enfim, ele não curte
brincadeiras e brinquedos predeterminados (pela sociedade) ao seu gênero
masculino.
Eu talvez tenha certa parte nisso, porque de fato nunca
incentivei (na verdade eu praticamente não compro brinquedos pra ele, apenas
livros e filmes). Nunca achei que havia coisas para meninos e para meninas, ao
contrário, acho essa limitação horrorosa. E por isso, deixei ele livre pra
brincar de ser o que quiser. O pai dele (homem com a cabecinha um pouco - ou
muito mais impregnada pelo machismo), já demonstrou descontentamento (usando
eufemismo) com isso, acreditando ser meu dever incentivar Miguel a gostar de
coisas de “menino”.
Por um certo momento até tentei me observar, pra ver se eu
incentivava A ou B, mas não, eu apenas dou espaço para ele ser. Crê-SER.
Miguel ama, ama, ama Sitio do Pica-Pau amarelo. Gosta da
Cuca (olha os vilões aí de novo), mas principalmente a Emília. Assim, tipo encontro
de almas. Eu diria que Miguel é a versão masculina e em carne e osso da boneca
de pano: espevitado, respondão, inteligentíssimo, carismático e falante pelos
cotovelos.
Um dia ele me pediu Emilia, a boneca. E eu dei.
Foi uma confusão. O pai (e um monte de gente) achou um
absurdo um menino brincar de boneca.
Juro pra vocês que foi um choque cultural.
Pra mim aquilo era naturalíssimo. Papo vai, papo vem, deram um fim nessa boneca. Ele
ficou arrasado.
Passou um tempo, ele voltou a insistir, era o sonho da vida
dele (palavras do próprio) ter a boneca de novo. Dizia “mamãe, ela tá sentindo
a minha falta”. Escreveu cartas e mais
cartas ao Papai Noel pedindo. Não aguentei. Nem minha mãe, que achou outra
bendita boneca de pano e deu pra ele.
Ficou feliz igual pinto no lixo. Olhinhos brilhando. Ele ama a
boneca. Cuida. Fala que é o pai. Dorme abraçado. Dialoga com ela. Me chama pra
participar. É a coisa mais linda desse mundo e eu não consigo entender como tem
gente que priva um filho de vivenciar essas coisas. (Essas coisas: brincar do
que gosta. Não estou incentivando você dar uma boneca pro seu filho).
A infância, em meu entendimento, é o momento da fantasia, do lúdico, da
brincadeira, de consolidar emoções positivas, de fazer um adulto emocionalmente
seguro e capaz de fazer escolhas no futuro.
Determinar o que a criança deve brincar, querer e pensar é cruel, talvez até uma
grande violência.
Não podemos deixar passar que essa predeterminação social
nos papeis de gênero na educação de uma criança é também o medo de uma
possível homossexualidade – como se a orientação sexual se desse assim e o
pior, como se ser homossexual fosse problema que pode e deve ser evitado.
Não, do fundo do meu coração, eu não tenho medo do meu filho
ser/tornar-se um homossexual no futuro. (Se eu tivesse, falaria). Nem mesmo pelo medo de um possível sofrimento, vitima de uma sociedade homofóbica, porque aqui, na casa
dele, com a mãe dele (e eu só posso falar por mim) ele sempre vai ter
segurança, amor e conforto, independente das escolhas que tome na vida.
Esses dias correu na internet a noticia da jovem que se suicidou por medo de revelar aos pais que era lésbica. Isso mexeu muito comigo. Imagina a morte ser uma possibilidade mais acolhedora do que sua verdade, ser você mesmo, sua família? Não é essa a sociedade que quero, muito
menos a família que construo.
É na infância que se iniciam os estragos da vida
adulta, o não acolhimento, o não ouvir uma demanda, a falta de dizer não, vai
determinar o adulto que teremos, não a brincadeira que ele brinca.
Um filho que brinca de boneca e uma mãe que anda de skate (no dele)
De todos os meus medos, o maior deles em relação ao meu
filho é o de que ele seja um adulto inseguro (como eu fui e ainda sou em muitos
aspectos), que tenha medo do mundo e principalmente que tenha relações não
saudáveis. O resto é resto.
E sei que tô no caminho certo quando vejo certas coisas. Um dia, fomos ao Picnick (um evento famoso de Brasília) e ele quis
ir com as asas pretas da Malévola. Chamou muita atenção. Todo mundo comentava.
Uns diziam “você é um anjo” , mas a maioria achava que era um super herói
diferente, sei lá. Dai um menininho de uns 9 anos perguntou “Você tá vestido de
quê?” e Miguel respondeu: “Malévola”. O menininho respondeu: “Mas você não pode
ser Malévola porque ela é menina”.
Miguel : “Eu posso ser o que eu quiser”.
(Imagina um emoticon de um salto agulha sambando na cara do
moleque)
Pode ter sido só uma respostinha malcriada do meu filho
(mais uma, são várias por dia. O menino é afiado), mas meu coração de mãe se
encheu dum orgulho tão grande, que achei que ia explodir.
É isso, eu quero que
ele pense que possa ser o que quiser. Porque ele pode mesmo. Eu acredito.
Eu quero que esse mundão esteja preparado para um cara
humano, sensível, inteligente e corajoso, que encare tudo como uma grande
possibilidade. Que ele nunca perca essa cabecinha sonhadora. Que ele encare o mundo com essa sensibilidade de quem cuida de uma boneca. Jamais vou privar
meu filho de sentir. O máximo que estou fazendo é dando a oportunidade de um
homem aprender a gostar de ser pai desde cedo e de que , além de ser o que
quiser, homem também pode ser terno, cuidador e amoroso.
Um filho melhor pro mundo. Um mundo menos hostil , limitador
e preconceituoso pro meu filho.
E mais uma vez eu tiro o meu chapéu para vc minha querida amiga Marília! Meus parabéns em alto e bom som!
ResponderExcluirInfelizmente vivemos em um mundo onde os pais, homens machistas, limitam o que o filho pode ser, usar e brincar... Sei bem que quando eu tiver um menino vou ter muito o que brigar com o pai dele... rsrsrs
Acredito que se fosse assim desde antes não existiria tanta separação, tantos casamentos desfeitos... não existiria tantos filhos minguando o amor de um pai...
Nos resta agora lutar por um futuro melhor pra nossos pequenos...
Aqui em casa, no mundo colorido de Iasmim, já percebemos algumas mudanças... ela brinca com os carrinhos do pai e até faz "bruuummm", e o pai até que deixa!! E aqui quem manda não é a peppa e sim o George... os olhos dela brilham quando ver ele!
Ninguém ensinou... aconteceu... é a vontade dela, o gosto dela!! E isso não diz quem ela vai ser no futuro... afinal, como disse Miguel:Ela pode ser o que quiser!
Susany Vidal
parabéns pra você, uma mãe maravilhosa cabeça feita, se todas mães fizerse assim tudo seria bem melhor,tiro o chapéu pra você.
ExcluirPermita-me dizer que você é, além de uma super mãe, uma super pessoa para a sociedade, feliz com seus gestos e desde já desejo toda felicidade para você a para o Miguel.
ResponderExcluirObrigada querido, mas sem pretensão de nada, só sigo meu coração e tento melhorar um pouco esse mundo, educando um menino gentil e amoroso. Desejo o mesmo pra vc e volte sempre! <3
Excluir...Sou uma jovem mãe e estou me sentindo muito culpada pela minha falta de paciencia, pelo meu cansaço, por tudo... procurei sobre o assunto na internet e cai no seu blog, achei divertido e me distrai. Obrigada por dividir suas experiências de forma realista simples e direta. Essa obrigação de ser super mãe é um saco e é muito bom existir pessoas como vc q ajudam a desconstruir isso. Quando puder vou ler os posts mais recentes. Felicidades para vc e seu filho ;D
ResponderExcluirObrigada você por compartilhar sua experiência. Por uma maternidade mais real. Volte sempre. :)
ExcluirParabéns MÂE! Grande exemplo! mais pessoas assim e a sociedade com certeza será bem melhor
ResponderExcluir;)))
ExcluirMeu filho tem seis anos, é apaixonado pelas winxs, a magia, o colorido, as asas delas. Mas eu sofro com a família que é muito preconceituosa. Gostaria de ter mais coragem para enfrentar.
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