segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Meu filho brinca de boneca - e eu gosto!


Miguel é uma criança diferente. 

Seu primeiro brinquedo favorito na vida foi um microfone. Sempre, sempre, gostou de música (na barriga quando eu ouvia, ele acalmava ou “dançava”, mas sempre respondia ao estímulo). Até hoje ele gosta, mas descobriu meu celular e acha mais divertido cantar se filmando.



Gosta de livros também, mas gosta que a gente leia a história pra ele, fazendo vozes e interpretando. 

Guarda todos os diálogos. Repete-os. Agora, que já curte filmes, ele finge o tempo todo ser um dos personagens. Cansei de estar na rua, na fila de um banco, na padaria e o Miguel ficar falando frases (com a voz diferente) de diálogos de filmes e principalmente risadas de bruxas (ele tem um fetiche por bruxas que nem Freud explica, há há há). 

Ele prefere as vilãs. Seu personagem preferido sempre foi o Lobo Mau. Nunca curtiu os três porquinhos. Depois, a segunda e arrebatadora paixão foi a Malévola. Ele ama, idolatra. É a mulher mais linda do mundo pra ele, tanto que...ele quer ser ela.

Me vesti de Malévola em uma festa cujo tema era “Vilões”. Ele pirou. #ComplexoDeEdipoFeelings . 

Talvez tenha sido um dos dias mais felizes da vida dele.  Vive pedindo pra eu me vestir de novo. No dia seguinte, se apoderou das asas e chifres que fiz para a fantasia. 

Ele ama Frozen. Gosta da princesa Anna, mas principalmente da Elsa (que também é meio vilã né?).

Na verdade, ele ama o mundo da fantasia, essa coisa de fadas, bruxas, reis e princesas, um universo diferente da realidade. Meu filho é sonhador, é criativo, é sensível. Na cabecinha dele, a vida é fantasia. Aliás, ele sempre anda com uns panos amarrados (diz que é um rei),com chapéus e adereços que fazem ele se sentir aquilo que deseja.




Eu acho isso lindo. Ele definitivamente tem talento pra arte. Ou pra qualquer coisa que se faça com amor, porque ele também adora cozinhar. 

Os olhinhos dele brilham quando vê um certo canal de receitas no Youtube (é serio, gente).  Admira quem cozinha, se diverte pedindo pra ajudar (ele sempre faz pasteis com meu pai, ficando na parte de rechear e fechar a massa com garfo), adora ver receitas e pede pra eu aprender, descobrir como se faz. 

Daí que ele foi crescendo assim, apurando seus gostos nesse rumo. Miguel não curte carrinhos. Nem bola. Nem esportes. Miguel não curte super  heróis. Enfim, ele não curte brincadeiras e brinquedos predeterminados (pela sociedade) ao seu gênero masculino.

Eu talvez tenha certa parte nisso, porque de fato nunca incentivei (na verdade eu praticamente não compro brinquedos pra ele, apenas livros e filmes). Nunca achei que havia coisas para meninos e para meninas, ao contrário, acho essa limitação horrorosa. E por isso, deixei ele livre pra brincar de ser o que quiser. O pai dele (homem com a cabecinha um pouco - ou muito mais impregnada pelo machismo), já demonstrou descontentamento (usando eufemismo) com isso, acreditando ser meu dever incentivar Miguel a gostar de coisas de “menino”.

Por um certo momento até tentei me observar, pra ver se eu incentivava A ou B, mas não, eu apenas dou espaço para ele ser. Crê-SER. 

Miguel ama, ama, ama Sitio do Pica-Pau amarelo. Gosta da Cuca (olha os vilões aí de novo), mas principalmente a Emília. Assim, tipo encontro de almas. Eu diria que Miguel é a versão masculina e em carne e osso da boneca de pano: espevitado, respondão, inteligentíssimo, carismático e falante pelos cotovelos.

Um dia ele me pediu Emilia, a boneca. E eu dei.



Foi uma confusão. O pai (e um monte de gente) achou um absurdo um menino brincar de boneca. 
Juro pra vocês que foi um choque cultural. Pra mim  aquilo era naturalíssimo. Papo vai, papo vem, deram um fim nessa boneca. Ele ficou arrasado. 

Passou um tempo, ele voltou a insistir, era o sonho da vida dele (palavras do próprio) ter a boneca de novo. Dizia “mamãe, ela tá sentindo a minha falta”. Escreveu  cartas e mais cartas ao Papai Noel pedindo. Não aguentei. Nem minha mãe, que achou outra bendita boneca de pano e deu pra ele.

Ficou feliz igual pinto no lixo. Olhinhos brilhando. Ele ama a boneca. Cuida. Fala que é o pai. Dorme abraçado. Dialoga com ela. Me chama pra participar. É a coisa mais linda desse mundo e eu não consigo entender como tem gente que priva um filho de vivenciar essas coisas. (Essas coisas: brincar do que gosta. Não estou incentivando você dar uma boneca pro seu filho). 



A infância, em meu entendimento, é o momento da fantasia, do lúdico, da brincadeira, de consolidar emoções positivas, de fazer um adulto emocionalmente seguro e capaz de fazer escolhas no futuro. 

Determinar o que a criança deve brincar, querer e pensar é cruel, talvez até uma grande violência.

Não podemos deixar passar que essa predeterminação social nos papeis de gênero na educação de uma criança é também o medo de uma possível homossexualidade – como se a orientação sexual se desse assim e o pior, como se ser homossexual fosse problema que pode e deve ser evitado.

Não, do fundo do meu coração, eu não tenho medo do meu filho ser/tornar-se um homossexual no futuro. (Se eu tivesse, falaria). Nem mesmo pelo medo de um possível sofrimento, vitima de uma sociedade homofóbica, porque aqui, na casa dele, com a mãe dele (e eu só posso falar por mim) ele sempre vai ter segurança, amor e conforto, independente das escolhas que tome na vida.

Esses dias correu na internet a noticia da jovem que se suicidou por medo de revelar aos pais  que era lésbica. Isso mexeu muito comigo. Imagina a morte ser uma possibilidade mais acolhedora do que sua verdade, ser você mesmo, sua família? Não é essa a sociedade que quero, muito menos a família que construo.

É na infância que se iniciam os estragos da vida adulta, o não acolhimento, o não ouvir uma demanda, a falta de dizer não, vai determinar o adulto que teremos, não a brincadeira que ele brinca.

                     
                                 Um filho que brinca de boneca e uma mãe que anda de skate (no dele)


De todos os meus medos, o maior deles em relação ao meu filho é o de que ele seja um adulto inseguro (como eu fui e ainda sou em muitos aspectos), que tenha medo do mundo e principalmente que tenha relações não saudáveis.  O resto é resto.

E sei que tô no caminho certo quando vejo certas coisas. Um dia, fomos ao Picnick  (um evento famoso de Brasília) e ele quis ir com as asas pretas da Malévola. Chamou muita atenção. Todo mundo comentava. Uns diziam “você é um anjo” , mas a maioria achava que era um super herói diferente, sei lá. Dai um menininho de uns 9 anos perguntou “Você tá vestido de quê?” e Miguel respondeu: “Malévola”. O menininho respondeu: “Mas você não pode ser Malévola porque ela é menina”. 

Miguel : “Eu posso ser o que eu quiser”.

(Imagina um emoticon de um salto agulha sambando na cara do moleque)

Pode ter sido só uma respostinha malcriada do meu filho (mais uma, são várias por dia. O menino é afiado), mas meu coração de mãe se encheu dum orgulho tão grande, que achei que ia explodir.

 É isso, eu quero que ele pense que possa ser o que quiser. Porque ele pode mesmo. Eu acredito.

Eu quero que esse mundão esteja preparado para um cara humano, sensível, inteligente e corajoso, que encare tudo como uma grande possibilidade. Que ele nunca perca essa cabecinha sonhadora. Que ele encare o mundo com essa sensibilidade de quem cuida de uma boneca. Jamais vou privar meu filho de sentir. O máximo que estou fazendo é dando a oportunidade de um homem aprender a gostar de ser pai desde cedo e de que , além de ser o que quiser, homem também pode ser terno, cuidador e amoroso.

Um filho melhor pro mundo. Um mundo menos hostil , limitador e preconceituoso pro meu filho.


 

9 comentários:

  1. E mais uma vez eu tiro o meu chapéu para vc minha querida amiga Marília! Meus parabéns em alto e bom som!
    Infelizmente vivemos em um mundo onde os pais, homens machistas, limitam o que o filho pode ser, usar e brincar... Sei bem que quando eu tiver um menino vou ter muito o que brigar com o pai dele... rsrsrs
    Acredito que se fosse assim desde antes não existiria tanta separação, tantos casamentos desfeitos... não existiria tantos filhos minguando o amor de um pai...
    Nos resta agora lutar por um futuro melhor pra nossos pequenos...
    Aqui em casa, no mundo colorido de Iasmim, já percebemos algumas mudanças... ela brinca com os carrinhos do pai e até faz "bruuummm", e o pai até que deixa!! E aqui quem manda não é a peppa e sim o George... os olhos dela brilham quando ver ele!
    Ninguém ensinou... aconteceu... é a vontade dela, o gosto dela!! E isso não diz quem ela vai ser no futuro... afinal, como disse Miguel:Ela pode ser o que quiser!
    Susany Vidal

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    1. parabéns pra você, uma mãe maravilhosa cabeça feita, se todas mães fizerse assim tudo seria bem melhor,tiro o chapéu pra você.

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  2. Permita-me dizer que você é, além de uma super mãe, uma super pessoa para a sociedade, feliz com seus gestos e desde já desejo toda felicidade para você a para o Miguel.

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    1. Obrigada querido, mas sem pretensão de nada, só sigo meu coração e tento melhorar um pouco esse mundo, educando um menino gentil e amoroso. Desejo o mesmo pra vc e volte sempre! <3

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  3. ...Sou uma jovem mãe e estou me sentindo muito culpada pela minha falta de paciencia, pelo meu cansaço, por tudo... procurei sobre o assunto na internet e cai no seu blog, achei divertido e me distrai. Obrigada por dividir suas experiências de forma realista simples e direta. Essa obrigação de ser super mãe é um saco e é muito bom existir pessoas como vc q ajudam a desconstruir isso. Quando puder vou ler os posts mais recentes. Felicidades para vc e seu filho ;D

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    1. Obrigada você por compartilhar sua experiência. Por uma maternidade mais real. Volte sempre. :)

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  4. Parabéns MÂE! Grande exemplo! mais pessoas assim e a sociedade com certeza será bem melhor

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  5. Meu filho tem seis anos, é apaixonado pelas winxs, a magia, o colorido, as asas delas. Mas eu sofro com a família que é muito preconceituosa. Gostaria de ter mais coragem para enfrentar.

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