sexta-feira, 14 de maio de 2010

Um plano secreto (por Kalu "Mamífera")

Marido viajou, eu sofrendo. Miguel gripado (de novo! Segunda gripe já!.), eu sofrendo. Volta pra faculdade, eu sofrendo. (Muito sofrimento pra uma pessoa né?rs...). Então não deu pra fazer um post decente. Mas prometo que volto com um que devo desde o blog da gravidez: o do quartinho do filhote.
Fiquem com esse texto lindo da Kalu, do blog que recomendo, Mamíferas. Ela, que também é mãe de um Miguel, disse aí tudo que eu penso e acredito.
Beijão!
Ah, aquela velha história de sempre: é minha opinião. Respeito todas as mulheres que optaram pela cesariana...



Um plano secreto

Cena 1:
Mulher amarrada na cama. Um pano azul divide seu mundo do universo obstétrico. Suas mãos e pés estão amarrados. Por detrás do pano surge uma criança. Carregada sem amor, sem carinho. Como mais um "produto conceptual". A enfermeira aproxima o bebê da mãe, que apenas consegue girar a cabeça e tão logo ela procura o olhar do filho, ele já foi levado. Ali perto, sem que ela consiga ver, um tubo entra por suas narinas, um colírio doloroso cega seus olhos, um pano grosso fere sua pele. Ele volta sem rumo em direção a sua mãe, que o procura e, antes que ela possa curti-lo, sai pelo corredor afora no colo de uma estranha.

Cena 2:
A mulher pega o bebês nos braços, depois da derradeira contração. Seu mundo está completo. Eles são ainda um. Ela coloca-o perto do coração. O cordão ainda pulsa. A pediatra ao longe, quase invisível, espera para checar se o bebê precisa de ajuda. Ele cora rapidamente, enquanto a mãe o aquece com o amor de seu corpo. Ele chora um pouco e logo encontra acolhimento nos olhos de sua mãe e pai, no calor do contato. Ele mama e é abraçado. A pediatra sai da sala e permite que a sagrada família desfrute de seu mágico momento.

Umas das razões da defesa do parto humanizado é o respeito ao pequeno ser que chega a este mundo. A violência que o bebê sofre ao chegar neste planeta é algo indescritível. Talvez, dentro de mim doa ainda mais, porque eu fui tratada como um produto concptual, porque, ao invés de olhos calorosos, eu fui aspirada, secada sem cuidado, levada para longe.

Se uma cesárea ou parto normal cheio de intervenções é uma agressão com a mãe, a pediatria do hospital possui o mesmo tratamento com os bebês. Não há tempo de esperar o enamoramento da mãe, afinal, na sala ao lado, outro bebê será levado. Existem os protocolos de cada hospital, que mesmo com evidências científicas, continuam firme e forte sendo mais poderosos que a vontade da mãe.

O nitrato de prata colocado nos olhos do bebê é uma proteção contra a gonorréia. Se o bebê nasce pelas vias certas e a mãe tem a doença, o pequeno pode desenvolver a doença. Mas que sentido faz pingar o colírio se a mãe fez o exame e sabe que não tem? Ou pior, se o bebê nasceu por vias altas, qual a razão de pingar o medicamento? O colírio arde fortemente. E o bebê só consegue enxergar nos 30 minutos iniciais de vida. Depois ele adormece e deixa de ter esta capacidade visual. Com o colírio ele deixa de ter esta conexão com o mundo.

Ficar separado, sozinho, em observação, é outro protocolo sem sentido. Afinal, não há bercinho térmíco que pode substituir um colo materno. Há vários estudos que detalham a marca deste choque do nascimento na psiquê humana. E o pior, muitas mães desconhecem estes protocolos.

Para muitos enfermeiros e pediatras são apenas rotinas e protocolos, que todo mundo passa e não reclama. É bem verdade, nada lembramos deste momento. Mas isso não significa que a dor, a solidão não nos tenha deixado marcas profundas. Eu ainda sigo os rastros das minhas.

Eu ainda busco formas de acolher meu bebê que foi parido, que segurou a toalha, não mamou e ficou horas sozinho no berçário. O bebê que ainda mora dentro de mim, que se encolhe na madrugada escura com medo de fantasmas e não sabe quem pode salvá-lo.

O parto pode ser um momento mágico. Parimos tantas memórias, de tantas vidas. Parimos o parto de nossas mães, avós, dos nossos ancestrais. Parimos o bebê que fomos. Se a infância é a fase mais importante das nossas vidas, o primeiro ano é fundamental. E o nascimento primordial.

Eu sei que fui nascida, pelo menos, no dia certo. Mas nasci com falta de mãe. Dos olhos da minha mãe, do calor do seu corpo, do seu abraço. Perdemos nosso vinculo inicial, nossa ligação. Eu quero e preciso recuperar.

Por isso olhei nos olhos e não me separei do meu filho por um segundo. Por isso pari em casa, porque os protocolos eram todos meus e da equipe. Por isso nunca deixei que ele chorasse, por isso sempre atendi a suas demandas. Ele mama no peito porque não precisa correr para crescer para calar sua dor profunda de solidão infantil. Ele é grande sendo pequeno. Amado com a completude de minha alma.

E assim, na figura do meu filho, eu me curo, acolho o bebê quem fui. Em sua figura alegre, bebo a alegria que me foi negada, no peito cheio de leite, supro minha carência e assim apaziguo minha criança interior que agora pode crescer em paz, refletida na figura de um menino feliz.

Eu superei a dor para que ele chegasse desperto a esse mundo, como eu mesma não pude escolher. E com minha escolha, ele pode estar pronto para mamar, sem estar anestesiado. E o abraço das minhas intimidades acordou seus neurônios e o fez desperto.

Escolher pelo parto natural é um respeito à nova vida, que não é separada, que não é manipulada, que é aquecida por um corpo cheio de amor. Não é simplesmente deixar de tomar anestesia, é impedir que as outras intervenções venham na sequência. Quando anestesiada, geralmente a mulher precisa de ocitocina. Com a ocitocina as contrações tornam-se mais dolorosas para o bebê, que por vezes, apresenta alterações de batimentos e a cesárea se faz necessária.

Parir naturalmente é acolher uma dor que vale a pena. É uma dor de vida, uma dor de ideologia, de consciência. Nascer natural, viver natural é meu projeto secreto para fechar minhas feridas, para ajudar a construir uma sociedade mais pacífica. Os guerreiros da Grécia eram separados de suas mães para que nunca desenvolvessem características compassivas e pacíficas. Longe do olhar, do carinho, eles se tornaram grandes máquinas de guerra.

Para fazer a paz, o caminho inverso me soa como poesia: muito carinho, muita presença, muito leite, peito, cantigas, toques, amor. Tudo isso sem medida, sem medo de fazer menino manhoso. Tudo isso é paz de uma mãe plena e de uma cria feliz.

E você, faz parte deste projeto secreto?

Foto: Minha e do meu gordinho

Um comentário:

Pesquisar este blog

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails